Conduzir pela longa estrada

Boyhood (2014)
Honesto, directo e ambicioso, Boyhood oferece-nos ainda o presente de ter sido filmado ao longo de cerca de uma década, apesar de, no total, o tempo de filmagem perfazer apenas cerca de 40 dias. 
Durante 12 anos, Richard Linklater acompanhou o crescimento de uma família cujo núcleo se expande e mingua, em adaptação orgânica, natural e própria do que representam as relações humanas.

Aparentemente simples, a sua estrutura complexifica-se à medida que as ligações se quebram para se refazerem mais à frente. É bom saber também que o tempo aqui passou na realidade, o que confere a todas estas relações ficcionais a sensação de serem baseadas em vidas que podem estar a acontecer mesmo ali na casa ao lado. A passagem do tempo real assume maior importância conquanto a evolução dos personagens vem acompanhada da evolução do próprio do actor, física e psicologicamente, o que traz diferente perspectivas sobre o modo de filmar e da interacção entre actores, realizador, equipa e até mesmo de como se mantém ou altera a visão de cada um dos intervenientes sobre a história e interpretação.

Teorias à parte, Boyhood senta-se numa cadeira de baloiço à porta de uma típica casa do Texas, descontraidamente bebe o seu chá gelado e prepara-se para tomar muito do tempo de quem o quer ver para contar o percurso de uma normalíssima família. Casamentos, divórcios, adolescência, a escola, as bolsas de estudo, a faculdade, o sexo, as experiências, praticamente nada de que não se tenha ouvido falar ou vivido.

Ao longo de quase três horas de filme, o espectador é confrontado consigo mesmo, com as reflexões próprias de cada lado da história. A evolução dos filhos através da adolescência até à entrada na idade adulta poderia tornar-se predominante mas o foco no crescimento dos adultos acaba por assumir tanta ou mais importância. Sim, porque Boyhood não é condescedente e aquilo que nos mostra, para além de não ser nem definitivo nem conter juízos de valor de grande monta, é a evolução de cada interveniente. Os adultos mostram as suas falhas, mostram como ser-se adulto não significa saber tudo e os erros continuam pela vida fora - afinal, faz parte. Escolhem-se os parceiros errados, fazem-se escolhas e as respostas continuam a ser as mesmas que a adolescência avidamente procura responder, na ansiedade própria de crescer.

Boyhood podia chamar-se Childhood mas parece propositadamente optar pela primeira designação como que tentado mostrar que a infância ou adolescência não são estados definitivos e definidos na evolução de cada um - embora em termos práticos assim seja encarada. 
Interessante seguir a criação de núcleos familiares fora da órbita inicial, à medida que os membros decepados do núcleo original se vão regenerando e criando novas vidas, começando do zero novamente, percorrendo tantas vezes quanto necessário a adolescência de sentimentos, de oportunidades, de novos começos, novas relações. Tudo é novo, tudo é duplamente novo, novidade vivida em tempos diferentes, com visões diferentes mas simultaneamente com a sensação de que se percorre novo caminho com novas ferramentas.

Dentro de Boyhood, a simplicidade é a chave de poder dar-se a tantas interpretações quantas as pessoas que o vejam. Porque as pessoas estão ali, estão ali as vidas do dia-a-dia, com que todos se podem relacionar e ligar, não se limitando a mostrar a visão de apenas um dos intervenientes mas a de todos, sem julgamentos - as conclusões ficam para quem vê.

A paisagem igualmente simples ludibria tanto quem assiste ao filme como as personagens, aquelas longas e intermináveis linhas rectas de estrada, a paisagem árida, contínua e desprovida de interesse, contudo hipnotizante. Naqueles momentos não se pensa em nada, segue-se sempre em frente a apreciar o caminho sem entrar em considerações filosóficas. Essas também têm lugar, sobretudo quando o pequeno Mason cresce e se torna um acérrimo crítico das tecnologias de informação e da aridez do mundo moderno. Eterno incompreendido, conclui que o melhor mesmo é apreciar o caminho porque, no fundo, ninguém sabe muito bem como é que as coisas acabam ou qual o fio condutor que guia os protagonistas enquanto aqui andam.

Classificação: 4/5


Por CS

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